«Encontrar aquilo que nos une é parte importante daquilo que fazemos»
O padre Franz Gassner, missionário da Sociedade do Verbo Divino, é o substituto do diácono Stephen Morgan à frente dos destinos da Faculdade de Estudos Religiosos da Universidade de São José. O sacerdote austríaco assume a missão numa altura em que a instituição cresce a olhos vistos e está apostada em reabilitar a proeminência religiosa que o Seminário de São José teve outrora. O imperativo de construir pontes de entendimento com a China e, de forma geral, com as demais culturas asiáticas, continua a prefigurar-se como um imperativo.
O CLARIM– Esta é uma nova fase da sua carreira, um novo desafio. O que espera desta missão de que foi incumbido pela Universidade de São José? Quais são as principais questões a que terá que dar resposta?
PE. FRANZ GASSNER– As principais questões? Como construir uma comunidade intercultural. Na Faculdade temos alunos e professores oriundos de muitos países. Estudamos juntos e trabalhamos juntos para compreender os outros, para ajudar os outros e, é claro, para nos prepararmos para o nosso ministério no seio da Igreja e da sociedade. Os estudos académicos são um desafio, obviamente, para os nossos alunos. Têm de estudar umas tantas línguas difíceis: Latim, Grego, Hebraico. Não é fácil para alguns alunos aprender estas línguas, mas é uma parte importante do estudo da Teologia, sobretudo. É importante preparar as pessoas para o ministério e para que possam compreender questões mais profundas sobre Teologia, sobre a Igreja e sobre a sociedade em que vivemos.
CL– Como referia, a Faculdade acolhe alunos com culturas e experiências muito diferentes. Como é que este aspecto influencia a forma como são ensinados?
P.F.G.– Preparámo-los para servir, para que nos possam colocar as suas dúvidas, mas também para que nos possam trazer as suas experiências. Quando fazem trabalhos, convidamo-los a reflectir nesses aspectos. A Igreja é sinónimo de unidade e encontrar aquilo que nos une é, na verdade, parte importante daquilo que fazemos: como construir unidade na diversidade, eu diria. Temos celebrações nas quais os estudantes são convidados a apresentar a riqueza das suas tradições: as suas danças, os seus trajes, os seus pratos tradicionais – a gastronomia dos seus países. São aspectos belíssimos que nos ajudam a construir essa espécie de unidade na diversidade. É algo que vai ao encontro do que fazemos. Neste momento, temos 68 alunos, 22 são mulheres e os restantes são homens. Temos seminaristas, temos leigos, irmãs e religiosos. Também temos alunos de mestrado e de doutoramento. A nossa biblioteca, neste momento, é usada por estudantes do Mestrado em Filosofia que estão na fase de redacção da respectiva tese. Estão a fazer uso dos extraordinários recursos que temos e que vão aumentar nos próximos anos. O bispo D. Stephen Lee está a ajudar-nos a reunir os recursos de diferentes bibliotecas no nosso campo: Filosofia, História da Igreja ou História das Religiões. Não faltam recursos em Macau, mas têm de ser reunidos e disponibilizados a investigadores, a estudantes de Mestrado, a doutorandos. Este processo está em curso. É um dos projectos que temos em mãos neste momento, mas é necessário ainda algum tempo até que esteja completo.
CL– O reitor Stephen Morgan dizia recentemente que, no próximo ano, a Faculdade vai receber um número recorde de estudantes. Até meados do Século XX, o Seminário de São José era uma instituição absolutamente incontornável em termos de evangelização nesta zona do planeta. Este renascimento poderá ajudar Macau a recuperar a proeminência religiosa que teve no passado?
P.F.G.– Acredito que sim. Acho que estamos a caminhar para que essa tradição tenha continuidade. Durante séculos, este Seminário conseguiu manter viva essa tradição de educar religiosos, de educar pessoas de fé, para que pudessem ajudar a Igreja, servindo aqui na Ásia. Não se tratava apenas de ajudar Macau, mas também o Sudeste Asiático. Macau contempla essa grande tradição e é essa tradição que estamos agora a ressuscitar. Felizmente, em Macau dispomos de algo que é muito importante e que é a liberdade de religião e a liberdade de investigação. Este é um aspecto muito valioso. Na minha opinião, é muito relevante para Macau, para a China, mas também para a Ásia como um todo, que exista um local onde se possa estudar, onde se possa investigar, até porque permite a construção de pontes entre a China e as tradições ocidentais. É um aspecto muito, muito importante. Temos a felicidade de poder contar, neste momento, com um bom número de estudantes de diferentes países da Ásia. Temos a felicidade destes alunos terem sido autorizados a vir para Macau e a permanecer em Macau, mas não podemos dar isto como garantido. Por outro lado, também nos foi dada a oportunidade de criar pontes com o passado e com a velha tradição de educar pessoas e povos. André Kim, o primeiro santo coreano, estudou aqui, por exemplo, mas eu poderia muito bem referir-lhe muitos outros.
CL– Dizia que em Macau ainda dispomos de liberdade religiosa. No entanto, o cenário é diferente do outro lado das Portas do Cerco. A Faculdade de Estudos Religiosos mantém a disponibilidade para receber seminaristas da China continental? Essa é uma possibilidade que se pode vir a materializar nos próximos anos?
P.F.G.– Espero que esta janela se possa vir a abrir em termos práticos e que essa possibilidade se faça tangível. A meu ver, seria muito importante ter mais intercâmbio directo para que possamos aprender uns com os outros e para que nos possamos compreender uns aos outros. Esta perspectiva vai, obviamente, ao encontro daquele que é o nosso maior desígnio, o de estarmos aqui para servir, para aprender uns com os outros, para ajudar uns aos outros. Na verdade, e se não estou em erro, em Taiwan esse intercâmbio já é possível. Seminaristas chineses podem ir para Taiwan, e estudar em Taiwan, por um período de três meses. Espero que o mesmo possa acontecer aqui em Macau. Espero que seja possível dinamizar este tipo de intercâmbio e que possamos oferecer a candidatos da China a possibilidade de poderem estudar em Macau.
CL– Como dizia há pouco, as Faculdades de Teologia deixaram de ser um feudo exclusivo de seminaristas ou de religiosos…
P.F.G.– Estudar Teologia ou Filosofia de uma forma tão sistemática é muito importante, tanto para a Igreja como para a sociedade. Quando os leigos se aventuram nestas matérias estão a preparar-se melhor para servir a sociedade e para servir a Igreja. Podem levar esse contributo para os Meios de Comunicação Social, para as escolas, para a educação, colocar-se ao serviço da comunidade ou mesmo do Governo. Para se ser historiador, para se ser um investigador, é necessário aprender Teologia e aprender línguas. Não há outra forma. Necessitamos de pessoas melhor preparadas para que se possa construir pontes de entendimento entre diferentes culturas, entre povos com histórias diferentes e diferentes tradições. Este aspecto é crucial, na verdade. As vocações para o sacerdócio são importantes, mas a Igreja e a sociedade necessitam de ir mais além.
Marco Carvalho