500 anos após a morte de Afonso de Albuquerque

O tributo que se impunha.

No rescaldo do colóquio que, em Lisboa, no passado mês de Dezembro, assinalou os 500 anos do desaparecimento físico de Afonso de Albuquerque, O Clarim foi ouvir Renato Epifânio, presidente do MIL – Movimento Internacional Lusófono, entidade que, em parceria com o Arquivo da Torre do Tombo, a Biblioteca Nacional e a Sociedade Histórica da Independência de Portugal (SHIP), organizou o evento.

Renato Epifânio começa por lembrar que o Estado português, «por norma», não assinala devidamente este tipo de efemérides, porque insiste «em manter uma relação complexada com a sua história», e, se o fizesse, «certamente haveria muita gente a apontar-lhe o dedo, acusando-o de ser saudosista, eventualmente neocolonialista, quando tudo isso é completamente absurdo». E como o MIL não tem esses complexos, deu rosto à iniciativa em parceria com as entidades acima indicadas, nomeadamente a Biblioteca Nacional, que cedeu a sala onde foram apresentados os diferentes painéis.

«Tudo que seja promover a nossa história parece-nos positivo», afirma Epifânio, em jeito de balanço. Mesmo que tal implique situações polémicas, como a que foi gerada pela intervenção do historiador Nuno Teotónio de Souza, português de Goa, que comparou a acção de Albuquerque aos actos terroristas da Al Qaeda, algo «simplesmente absurdo», no entender de Renato Epifânio, «até porque essa organização só tem cabimento na época actual», pois surge devido a uma situação geopolítica muito peculiar. «Conheço razoavelmente bem o professor Teotónio, e acho que ele quis provocar, embora não me pareça que fosse o local e momento adequados para o fazer», comenta.

O personagem Afonso de Albuquerque, é sabido, gera «sinais de simpatia, mas também, inevitavelmente, sinais de antipatia», sobretudo por parte de outros povos. Mas não é o único. Epifânio aponta o exemplo de Afonso Henriques, «aparentemente uma figura consensual», mas que na Galiza, «por razões que nada têm a ver com o anti-portuguesismo, antes pelo contrário», é muito mal vista pelos galegos pró lusófonos, «que almejam de corpo e alma a integração na comunidade lusófona». E porquê, perguntamos todos nós, atónitos? Simplesmente porque Afonso Henriques, em termos históricos, foi o responsável pela cisão de Portugal com a Galiza. Renato Epifânio confessa sentir essa ambivalência: «Por um lado, respeito-o, enquanto fundador de Portugal. Por outro lado, vejo-o como alguém que, porventura, tomou uma decisão errada».

No caso do dito “César do Oriente” há que recuar mentalmente (e moralmente) uns séculos «e é escusado fazer juízos anacrónicos». É claro que, «à luz da nossa grelha de valores, figuras como Afonso de Albuquerque não são quadráveis». É preciso situá-lo no contexto da sua época, «sem qualquer propósito restauracionista», ressalva o nosso entrevistado. «A acção das pessoas só faz sentido à luz do seu tempo e é à luz da mentalidade do século XVI que queremos (e devemos) avaliar o legado de Afonso de Albuquerque». E sempre numa perspectiva virada para o futuro, «debruçando-nos sobre aquilo que hoje podemos fazer para preservar a língua portuguesa e todas as culturas lusófonas». São de sobra os exemplos e denúncias do muito que há a fazer, «como lembrou a Luísa Timóteo da associação cultural Coração em Malaca», uma das oradoras do Colóquio, que contou ainda com as participações de Rui Manuel Loureiro e Miguel Castelo Branco, entre outros conhecidos investigadores.

Habituado a organizar múltiplos eventos – «nos últimos dois meses foram seis colóquios» – a Renato Epifânio não lhe surpreende o pouco público. «Nesse domínio, as minhas expectativas são sempre baixas». Aponta como exemplo um colóquio realizado na Invicta, sobre Sampaio Bruno, «filho da cidade e pai da filosofia portuguesa», que não teve qualquer envolvimento por parte da população portuense, nem mesmo a dita classe intelectual. «A certa altura tornou-se quase anedótico», confessa. Em contraponto, o MIL foi premiado com agradáveis experiências. Foi o caso da primeira edição do Festival Literário de Fátima, no passado mês de Novembro. Aí, pelo contrário, houve um enorme envolvimento, sobretudo dos jovens. «Graças a um esforçado trabalho de mobilização da classe estudantil, tivemos audiências com mais de 200 pessoas», informa Epifânio.

O colóquio sobre o “Leão do Mares”, figura hoje ignorada e até vilipendiada, ficou-se pelo meio-termo. «Teve uma audiência razoável, e sobretudo gente interessada e participativa, no espaço para debate que reservámos», resume o presidente do MIL. O balanço é, portanto, positivo. E ainda mais positivo é se atendermos à qualidade das intervenções. «Penso que conseguimos congregar pessoas muito qualificadas para falar», conclui.

Como tem sido hábito em eventos do género, a Comunicação Social primou pela ausência. O ténue impacto mediático deveu-se à iniciativa do próprio Renato Epifânio, colaborador nalguns jornais, nomeadamente o Público, onde assina crónicas semanais. Também a RDP Internacional, por iniciativa do jornalista Samuel Ornelas de Castro, sempre atento às questões da lusofonia, deu destaque ao entrevistar Renato Epifânio. Como o próprio diz, «se não formos nós a fazer o caminho, os jornalistas raramente tomam a iniciativa». E porque não? Voltamos aqui «à velha e complexa questão dos melindres». Fala-se em figuras do gabarito de Afonso de Albuquerque, e logo ficam incomodadas umas quantas luminárias da inteligentsia nacional. «Mais uma vez o Estado português perdeu o comboio», desabafa Epifânio. Mas sem desânimo. Até porque «a sociedade civil pode suprir a falha», essa continuada ausência institucional, traço característico de um Portugal que continua por cumprir.

Joaquim Magalhães de Castro

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