Arquivo Histórico Ultramarino

Um repositório de conhecimento

No Arquivo Histórico Ultramarino conserva-se grande parte do acervo documental das antigas colónias portuguesas, sobretudo a partir do século XVII. Este antigo palácio dos condes da Ega seria, durante o Estado Novo, adaptado para Arquivo Histórico Colonial com a documentação vinda da Biblioteca Nacional, hoje consultada por todos os que se interessam pela História da Expansão.

É vasta a documentação ordenada e distribuída pelas diferentes salas do imponente edifício, e é – saliente-se – única, não só no nosso país, verdadeira memória colectiva dos portugueses, mas também em todo o mundo. A divisão principal é a Sala dos Códices do Conselho Ultramarino. Já nas salas anexas, a Sala Brasil e a Sala Índia, encontram-se todos os ficheiros devidamente arrumados e catalogados. No fundo, ali está toda a documentação avulsa, verdadeira matéria prima das inúmeras investigações levadas a cabo pelos mais diferentes historiadores e outro tipo de investigadores.

Perfeitamente identificados dentro de capas, esses documentos fazem parte do espólio do Ministério do Ultramar do qual o Arquivo Histórico Ultramarino veio a ser o herdeiro, o mesmo acontecendo com o próprio Instituto de Investigação Científica Tropical. No fundo, correlacionaram-se instituições que foram dando origem umas às outras.

A vetusta instituição conta com uma série de arquivistas e um excelente gabinete de restauro, se bem que haja documentação irremediavelmente perdida devido ao extremo grau de deterioração. Felizmente, a maioria está em boas condições e é alvo de um cuidado continuado, como seja o controlo da temperatura, dos níveis de humidade e a protecção da luz solar. Há, para isso, que contratar os serviços de empresas altamente especializadas, que também fazem a desinfestação de todo o tipo de materiais.

Muita dessa documentação está hoje a ser gradualmente digitalizada, pois, como diz a historiadora Maria Manuela Torrão, «há que pensar nas gerações vindouras». E acrescenta: «é de todo desejável que um documento de 1623 continue em boas condições daqui a quatro séculos ou mais».

Contudo, a digitalização de documentos envolve verbas altíssimas o que pressupõe grande capacidade financeira e recursos humanos suficientes. «É uma tarefa imprescindível que tem de ser feita porque senão toda essa informação perder-se-á», lembra Torrão.

No entender desta historiadora as monografias constituem «uma ferramenta de investigação menor», pois «são aquilo o que cada um de nós pensa quando analisa um documento».

Há dados que todos lemos da mesma maneira – as datas, os destinatários, etc. –, no entanto, o conteúdo de um documento pode ser visto pelas pessoas subjectivamente. Cada um de nós analisa um documento em função daquilo que procura encontrar. Se o estamos a ler procurando um determinado pormenor há assuntos que inevitavelmente caem no esquecimento pois é matéria que não nos interessa na altura. Aquilo que hoje em dia descobrimos num documento, daqui a décadas, um outro investigador que o venha a ler encontrará coisas diferentes, tendo em conta a conjuntura em que vive.

Como diz Maria Manuela Torrão, «aquilo que hoje pensamos sobre um documento não é aquilo que as pessoas pensavam há cinquenta anos. E, por isso, a preservação da documentação é fundamental para que se possa continuar a perceber o passado de um povo há luz daquilo que quer e precisa em cada época da sua vida».

Um dos mais interessantes projectos de investigação levados a cabo pelo Arquivo Histórico Ultramarino, “África Atlântica – da documentação ao conhecimento (séculos XVII-XIX)”, foi feito em parceria com o Instituto de Investigação Científica Tropical e teve o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Segundo Ana Canas, directora da instituição, teve como objectivo «contribuir para o estudo da dinâmica da África Atlântica entre meados do século XVII e 1833, valorizando o património documental do Arquivo Histórico Ultramarino com ela relacionado».

Para melhor conhecer esta dinâmica foi essencial o tratamento documental das séries Cabo Verde, Guiné, Angola e São Tomé e Príncipe do fundo de arquivo do Conselho Ultramarino, do Arquivo Histórico Ultramarino. A arrumação está normalmente por ordem cronológica e temática e daí que as ilhas de Cabo Verde de São Tomé surjam, muitas vezes, juntas. Disponíveis para consulta e estudo estão cartas, requerimentos, ofícios, autos, provisões, decretos, despachos, mapas estatísticos e desenhos, entre outros tipos de documentos. Documentos onde são feitas referências a assuntos tão variados quanto as relações de poder e de conflito locais entre os funcionários régios colocados nos territórios sob administração ultramarina portuguesa, e entre estes e as populações residentes, incluindo africanas, e no seio destas, guerra e diplomacia, mercês régias e percursos de vida, resgate e comércio de escravos, demografia e classificação de comunidades, migrações, recursos humanos e materiais, em particular técnicos, científicos e militares, reconhecimento de espaços e recursos naturais ou construção de povoações.

Entre as instituições que mantêm colaboração estreita e regular com o Arquivo Histórico Ultramarino estão o Arquivo Nacional de Angola, o Arquivo Nacional do Brasil, o Arquivo Nacional de Cabo Verde, Arquivo Histórico de São Tomé Príncipe e o Arquivo Histórico da Guiné-Bissau através do Instituto Nacional de Pesquisas.

A par da “Conferência África Atlântica”, que contou com a presença de vários intervenientes portugueses mas também internacionais, foi apresentada uma pequena Exposição no Arquivo Histórico Ultramarino, cujo documentos expostos, dos séculos XVII e XVIII, integravam as quatro grandes séries documentais estudadas no projecto. Alguns, relativos a expedições científicas (na Guiné e em Angola) a que se associaram peças zoológicas, oriundas de outras unidades do Instituto de Investigação Científica Tropical.

Joaquim Magalhães de Castro

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