Os aliados Putao-Nhá
Com o alto patrocínio da Presidência da República, assinalam-se, em 2015, os 500 anos das relações históricas entre Portugal e o Vietname, a outrora Conchichina.
A sessão inaugural das comemorações – iniciativa conjunta da Sociedade Histórica da Independência de Portugal (SHIP), do Centro de História de Aquém e De Além Mar (CHAM) e da Associação de Amizade Portugal-Vietname (NamPor) – terá lugar no dia 15 de Janeiro, no Salão Nobre do Palácio da Independência, Largo de São Domingos (ao Rossio), em Lisboa. Será proferida uma conferência pela historiadora Isabel Augusta Tavares Mourão sobre as relações luso-vietnamitas ao longo de meio milénio.
Do programa consta ainda a inauguração de uma exposição de pintura vietnamita intitulada “A Paz na Arte”, que estará aberta ao público de 16 a 23 de Janeiro.
OS PUTAO-NHÁ
Entre o grupo de aventureiros portugueses que, em 1515, inaugurou a era do contacto vietnamita com o mundo ocidental constava o nome de Duarte Coelho, que também deixou pegadas pelo Brasil. Continua por localizar um padrão que ergueu algures na orla costeira dos antigos reinos do Tonquim, Cochinchina e Champa, que correspondem ao actual território vietnamita.
Não só não deixámos fortalezas no Vietname como recusámos, por diversas ocasiões, a oferta dos soberanos locais para que edificássemos feitoria na antiga cidade de Tourão (actual Danang), embora aí tivéssemos comerciado intensamente, assim como em Sinoa (actual Hué), e ainda em portos mais a norte, vizinhos a Hanói.
Contemporânea de Macau e Malaca, Hoi An, vila ribeirinha a sul de Danang, era conhecida outrora pelo nome de Faifo e, entre os séculos XVI e XIX, foi um dos mais importantes portos internacionais do Sudeste Asiático. Os seus actuais habitantes referem-se aos portugueses – os putao-nhá – como «os primeiros europeus a chegar ao Vietname», mas ficam por aí, desconhecendo que a Norte, a pouco mais de mil quilómetros da sua terra, o território de Macau – para onde tantos vietnamitas emigraram ou encontraram refúgio, após meses à deriva nos mares do Sul da China, sujeitos às intempéries – teve mais de quatro séculos para se habituar à presença desses estranhos de nariz comprido e pelo no corpo que, entre outras bagagens, trouxeram a espingarda e a cruz para estas paragens.
O PAPEL DE MACAU
Muito há ainda a investigar, a desmistificar e a divulgar no que se refere às relações dos portugueses com as famílias rivais dos Nguyen e dos Trinh, senhores dos reinos da Cochinchina e do Tonquim, ambos fiéis vassalos do imperador da China. Umas e outras tentaram atrair os mercadores portugueses à sua esfera de influência, se bem que tenha havido longos períodos de interdições ao comércio e até guerras, provocadas sobretudo pelo excesso de zelo dos missionários que, a bordo das embarcações mercantis, a todo o lado chegavam.
Ao longo de todo o processo dos descobrimentos, religião e comércio sempre estiveram associados, para o bem e para o mal. De forma a poderem exercer a sua actividade livremente, padres e comerciantes muniam-se de valiosos presentes, pois, nessa matéria, os Trinh e os Ngyuen eram insaciáveis. Fundamental para a manutenção das boas relações foi o fornecimento de tecnologia militar, armas e homens prontos a dar formação aos exércitos locais. Nessa área há a salientar o papel de um mestiço de Macau, João da Cruz, principal fundidor na capital imperial de Sinoa. Existem, ainda hoje, espalhadas pelos terrenos intramuros da fortaleza dessa cidade, canhões, bacias, caldeirões e outros objectos de bronze que ostentam o seu selo.
EVANGELIZAÇÃO A VÁRIAS VOZES
No rasto dos mercadores, em 1527, vieram os missionários dominicanos, e, em 1535, o primeiro militar, o capitão António Faria, ao que consta, responsável pelo estabelecimento do entreposto comercial português em Faifo. Outros missionários portugueses chegariam entretanto, acabando por estabelecer uma missão em 1596. Mas só dezanove anos mais tarde, quando os jesuítas, expulsos do Japão, foram autorizados a entrar no Vietname, é que o cristianismo ganhou verdadeira solidez. No ano da graça de 1615, chegavam a Hoi An, vindos das terras do Sol Nascente, o napolitano Francisco Buzoni e o português Diego Carvalho, os primeiros jesuítas a pisarem território vietnamita. Com eles vinha o leigo António Dias e Joseph Paul, um japonês convertido.
Bem cedo os europeus se deram conta da extrema dificuldade em efectuar um comércio rendível com o Vietname e de propagar aí a fé cristã. Uma a uma, as delegações ocidentais foram abandonando as respectivas feitorias e, após 1700, apenas os portugueses eram capazes de manter relações comerciais com aquele país, numa época em que o declínio do império das quinas era já um processo irreversível. Ficaríamos por aí. Até hoje.
Joaquim Magalhães de Castro
em Lisboa