Thuy Tiên Nguyen de Oliveira, presidente da Associação de Amizade Luso-Vietnamita

«Relações entre o Vaticano e o Vietname serão ainda mais reforçadas»

Portugal e o Vietname contam já com um historial de 500 anos de contactos comerciais e culturais, sem o menor vestígio de conflito ou tentativa de colonização, um facto, só por si, digno de registo num país assolado por múltiplas agressões e conflitos. Por ocasião das celebrações do Tet, o ano novo vietnamita, O Clarim falou com Thuy Tiên Nguyen de Oliveira, presidente da Associação de Amizade Luso-Vietnamita (NamPor).

O ClarimPode falar-nos das suas origens. Onde nasceu, cresceu, estudou. Trace um breve perfil sobre si.

Thuy Tiên de Oliveira – Nasci em 1954, em Saigão (actual Ho Chi Min), e aí cresci até aos 21 anos. Os meus pais faziam grandes sacrifícios (éramos cinco rapazes e duas raparigas) para nos dar o melhor da vida. Frequentávamos colégios e liceus franceses. Nas férias andávamos de curso de Verão em curso de Verão, fosse em institutos de línguas estrangeiras e ateliês de costura ou música (no meu caso e no da minha irmã) ou nas escolas de artes marciais e outros desportos (no caso dos meus irmãos). Estes ingressariam mais tarde na Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica. Eu, porém, não quis deixar o meu país, optando por estudar Direito e Técnicas de Administração e Gestão na cidade de Ho Chi Min, sabendo que corria o risco de ser atingida pelos estilhaços de um morteiro ou por uma bala perdida. Nessa altura, sabia já manejar uma arma (a guerra a isso obriga), distinguir uma AK 47 de uma M16 ou um Falcon de um C130. O cinema, o teatro, o canto, a pintura, a arte floral e culinária serviam para fazer esquecer os momentos difíceis do conflito armado. Em Abril de 1975 segui com os meus pais para os Estados Unidos e, pouco tempo depois, para Paris onde vivia a minha avó paterna e os meus tios. Aí encontrámo-nos com os meus irmãos. Vi-me obrigada a estudar de novo e passei pelas necessárias etapas universitárias, pois tinha saído do Vietname sem trazer comigo qualquer tipo de diploma.

CLHá quanto tempo está em Portugal? O que a trouxe cá?

T.T.O. – Resido em Portugal desde 1988. Acompanhei o pai dos meus filhos, o pintor Manuel Casimiro de Oliveira, docente no Instituto Francês no Porto. Mais tarde acabaria por dar aulas, também eu, na Escola Francesa do Porto, durante catorze anos.

CLComo é, para um vietnamita, viver em Portugal?

T.T.O. – Há vinte anos, na minha primeira entrevista à RTP, disse o seguinte: “A terra é boa, os pássaros param”. A esse ditado vietnamita, acrescento, agora com mais vivências no País: “e a sua gente também é boa”. A beleza da natureza, a qualidade de vida e a amizade dos portugueses, generosos e hospitaleiros, permitiu que me fosse muito fácil a adaptação. Sobre aquilo que menos aprecio, prefiro não me pronunciar, até porque esses factores encontram-se presentes também na generalidade dos outros países.

CLComo surgiu o projecto da vossa associação?

T.T.O. – Surgiu, justamente há um ano, de uma grande vontade em fazer a ponte entre o Vietname – onde eu e o meu “primo” e co-fundador da NamPor, o luso-vietnamita Henrique Kim, nascemos – e Portugal, que considero o meu segundo país. Depois de, no passado 15 de Janeiro, no Palácio da Independência em Lisboa, ter participado na sessão inaugural das comemorações dos 500 anos das Relações de Amizade, co-organizada com o CHAM (Centro da História d’Aquém e d’Além Mar) e a SHIP (Sociedade Histórica da Independência de Portugal), a NamPor (Associação de Amizade Portugal-Vietname) – com sede na Rua Martim Moniz, 1032, 4100-331 Porto, sem fins lucrativos, apolítica e laica, com o intuito de incrementar os laços de amizade estabelecidos e mantidos ao longo de cinco séculos entre Portugal e o Vietname – prosseguiu as suas actividades oficiais, com a celebração do Tet (ano novo vietnamita) no dia 21 de Fevereiro 2015, no Porto. Há agora dois objectivos a curto prazo: em 2015, promover o “Ano do Vietname em Portugal” (Xin chào Portugal!) e, em 2016, o “Ano de Portugal no Vietname” (Olá Vietname!). Em ambos os eventos será dado particular relevo aos intercâmbios culturais, científicos, educativos, artísticos, comerciais, humanitários, turísticos e na área da saúde. A NamPor continuará a sua missão, a médio e curto prazo, cooperando com quaisquer entidades, públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, em acções de promoção e intercâmbio cultural, económico, social e técnico, adequadas à prossecução do seu objectivo associativo.

CLEm Portugal, da sua experiência pessoal, qual a ideia que os portugueses têm do Vietname?

T.T.O. – Os portugueses que conheço gostam muito do Vietname. Consideram o vietnamita um povo corajoso, lutador, inteligente e incrivelmente resistente, tendo em conta sobretudo o seu trágico passado recente. Hoje, enquanto destino turístico, o Vietname atrai cada vez mais turistas lusos. Deles ouço comentários fantásticos acerca do nosso povo, da nossa gastronomia e das nossas praias.

CLO contacto entre Portugal e o Vietname teve Macau como principal interlocutor, com mercadores e missionários como principais agentes desse contacto. Que sabem os vietnamitas a respeito do assunto?

T.T.O. – No meu país, Macau foi desde sempre considerada parte da China. Apenas uma pequena parte da população, ligada ao comércio, religião e política, tinha algum conhecimento acerca da história do território. Actualmente, como é óbvio, a situação mudou. Macau atingiu grande notoriedade internacional devido aos seus casinos.

CLMacau foi local de abrigo de muitos refugiados vietnamitas, os denominados “boat people”. Há conhecimento sobre essa matéria no seu país?

T.T.O. – Há duas categorias de “boat people”. A primeira partiu do sul do Vietname, rumo à Tailândia ou a outros países vizinhos, entre 1975 e 1980. Eram, na sua maioria, refugiados políticos com medo de futuras represálias. Pagaram muito caro esse êxodo, alguns com a própria vida. A segunda vaga partiu do norte do Vietname com destino a Hong Kong e Macau, no fim da década de 1980, em busca de uma vida económica melhor. Uma “fuga” mais curta e menos perigosa e dispendiosa. Existem ainda em Hong Kong “campos de refugiados”, onde as pessoas que ali vivem são consideradas refugiados económicos. Quanto aos refugiados da primeira vaga, esse foram alvo de um vasto programa de agrupamento familiar levado a cabo pelo Alto Comissariado para os Refugiados das Nações Unidas.

CLO Catolicismo foi introduzido no Vietname pelos portugueses. Qual a relevância da Igreja Católica na actual sociedade vietnamita?

T.T.O. – O Catolicismo atinge entre 7 a 8 por cento da população e a Igreja Católica, enquanto instituição, exerce uma grande influência na sociedade local. Em 2013, por exemplo, interveio de forma decisiva no processo de elaboração da nova Constituição. Na carta assinada pelo presidente e pelo secretário-geral da Conferência Episcopal do Vietname, pontos fundamentais como Direitos Humanos e soberania popular no exercício do poder político foram focalizados. Para sustentar estas reivindicações um grupo de cidadãos vietnamitas – entre os quais conhecidos intelectuais e cientistas – juntaram, em poucos dias, onze mil assinaturas de apoio. No final de 2014, o Primeiro-Ministro da República Democrática do Vietname foi recebido pelo Papa Francisco. Foi a terceira vez que uma alta personalidade vietnamita solicitou uma audiência com o Papa. Em Janeiro deste ano, o cardeal D. Filoni, prefeito da congregação para a evangelização dos povos, visitou as cidades de Hanói, Hung Hoa, Hoi An, Da Nang, Saigão, e aí encontrou-se com inúmeros fiéis. Tudo indica que as relações entre o Vaticano e o Vietname serão doravante ainda mais reforçadas.

CLO francês Alexandre de Rhodes ficou com os créditos devidos a Francisco de Pina, verdadeiro autor da romanização do alfabeto vietnamita. Será que os vietnamitas têm consciência disso, ou desconhecem por completo esse jesuíta? O que se ensina na escola sobre esta matéria?

T.T.O. – De facto, a nossa língua foi romanizada pelo português Francisco de Pina e aperfeiçoada por Gaspar do Amaral e António Barbosa, e não pelo francês Alexandre de Rhodes, a quem atribuem o feito nos livros escolares vietnamitas e franceses. Até a própria classe intelectual insiste em esconder e camuflar esse facto. Cabe aos portugueses reivindicar e, juntos com os vietnamitas, dizer em alto e bom som: basta! A não ser que se pretenda reescrever a história, como comentou o jesuíta Roland Jacques num seu livro acerca da paternidade da língua vietnamita.

Joaquim Magalhães de Castro

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