«Viriato não é português, nem espanhol, simplesmente um Lusitano»
Esta conclusão, entre outras igualmente desestabilizadoras do status quo reinante sobre a matéria, contidas no admirável estudo de Amílcar Guerra e Carlos Fabião Viriato – “Genealogia de um Mito”, publicado em 1998, provocou, mesmo nessa altura mais iluminada da nossa história recente, tantas “insólitas reacções de patriótico fervor” que deixou os próprios autores estupefactos…Na ausência, durante muito tempo, de projectos de investigação históricos sérios sobre a figura de Viriato, o que chegou quase aos nossos dias sobre a “venerada figura do alvor da nacionalidade” foi, pouco mais ou menos, aquilo que a propaganda do antigo regime disseminou com a ajuda de tantas vozes gradas da historiografia nacional.
A “verdade” sobre Viriato era incómoda? Nem por isso. Talvez escassa. E também não seria exactamente coincidente com a imagem do “mito” Viriato, artificialmente criado para encher os peitos pátrios com propósitos que serviam os interesses do regime.
Por exemplo, como se poderia nesses tempos descrever Viriato como “bandoleiro” e aclamar o “guerrilheiro”, treinado para ganhar escaramuças em emboscadas contra os poderes constituídos (romanos), quando era exactamente contra “esse tipo de gente” que as tropas portuguesas exerciam em África a sua missão de soberania? Pelo contrario, Viriato tinha de ser “general” e enquadrar um exército “formal”.
André de Resende – um dos primeiros cronistas a referir-se ao chefe lusitano – chamou a Viriato «primeiro pastor, depois caçador, homem de argúcia extrema e hábil a evitar os perigos. Varão de admirável coragem e abnegação, moderado a ponto de, depois de ter travado tantas batalhas, nem sequer usar armas mais cuidadas do que as dos outros ou mudar de vestuário, hábitos e alimentação. De tal modo que qualquer soldado lusitano parecia mais rico que o seu próprio chefe».
A esta primeira pintura mitológica sobre a figura histórica, acrescentaram-se depois várias demãos: teria nascido em Viseu, habitado na Serra da Estrela, fugido com a noiva a cavalo mesmo antes de se celebrar o casamento, etc., etc.
Embora a lenda muitas vezes mascare a realidade, parece que neste caso concreto de Viriato, o principal problema seja ainda o desconhecimento dessa mesma realidade, o que faz com que as fantasias gloriosas das imaginações patrióticas tenham tido, e continuem a ter, espaço para preencherem os dias e os anos de vida da figura histórica em causa.
Maurício Pastor, historiador espanhol de referência, resumiu de forma notável aquilo que hoje sabemos sobre Viriato: «É um personagem histórico transformado em lenda. Ainda hoje não se sabe onde nasceu nem onde passou os primeiros anos de vida. Viveu numa época em que não existiam Portugal nem Espanha, por isso não se pode fazer dele uma questão nacionalista ou regionalista. Foi um grande chefe militar dos Lusitanos e nunca em rude pastor que as vicissitudes da guerra transformaram em líder. Amado pelos seus soldados e temido e respeitado pelos romanos, manteve-se durante mais de oito anos à frente dos Lusitanos. Foi unificador da última tentativa de resistência à ocupação romana na península Ibérica. E Viriato foi ainda reconhecido pelo Senado e pelo Povo de Roma como “rei dos Lusitanos”».
Por tudo isto – que já é muito – é Viriato merecedor do nosso respeito e admiração. Sejamos portugueses ou espanhóis…